Duas associações não-governamentais (ONG) moçambicanas registaram pelo menos nove falecidos nas províncias de Nampula e Zambézia em embates com a polícia no âmbito das manifestações pós-eleitorais.
Conforme o mais recente relatório sobre direitos humanos do CDD - Centro para a Democracia e Direitos Humanos, "nos últimos dias, a cidade e a província de Nampula", no norte do país, "tornaram-se o epicentro de uma repressão intensa e alarmante, com indícios de agravamento em quase todos os seus 23 distritos".
"No meio dessa escalada de violência, o Hospital Central de Nampula se transformou em um cenário de luto e desespero. Profissionais de saúde relatam exaustão e profundo impacto emocional diante do número crescente de casos graves", afirma o relatório, que aponta o uso de gás lacrimogéneo, balas de borracha e munição real por parte da polícia para dispersar manifestantes.
O documento também informa que o hospital "já recebeu mais de 30 pessoas com ferimentos graves, incluindo 28 vítimas de disparos vindas de Namialo, distrito de Meconta", além de "sete mortes já foram confirmadas" na província. Essa onda de violência ocorre durante sete dias de greve e protestos convocados em todo o país a partir de 31 de outubro, pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane.
O Centro de Integridade Pública (CIP), uma ONG moçambicana que acompanha os processos eleitorais, registou, em seu mais recente boletim de monitoramento, duas mortes na província da Zambézia em confrontos com a polícia.
Relatou-se que manifestantes marcharam em Pebane, nessa província do centro do país, e "danificaram" a sede da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, partido no poder), o que levou à intervenção da polícia, resultando ainda em seis feridos. "Os dois mortos eram jovens de 14 e 17 anos", consta no relatório, que também menciona a destruição de outras sedes da Frelimo e residências de agentes policiais.
Na quinta-feira, o comandante-geral da Polícia da República de Moçambique, Bernardino Rafael, relatou que a corporação foi chamada a intervir em 58 manifestações, das quais 38 se tornaram violentas, e que 36 agentes estão a receber tratamento hospitalar.
"Todos nós vimos essas manifestações violentas. Veículos foram incendiados, pneus queimados em estradas, instituições estatais e estabelecimentos comerciais foram vandalizados, e até mesmo instalações policiais foram atacadas", lamentou Bernardino Rafael.
O membro da Frelimo Celso Correia, também ministro da Agricultura, declarou no sábado (02.11) que o direito ao protesto deve ser compatibilizado com outros direitos fundamentais, diante das manifestações pós-eleitorais no país.
"A FRELIMO defende os princípios de paz e valores pacíficos. Somos contra qualquer tipo de violência. Defendemos que os direitos de todos os cidadãos devem ser preservados, tanto o direito ao protesto quanto o direito à vida e à liberdade de movimento", afirmou. Reiterou que a Frelimo quer que o processo eleitoral aconteça "com a máxima transparência possível" e que "as instituições sejam valorizadas de forma justa e credível".
"Isso é fundamental para convencer o grupo de moçambicanos que ainda desconfia dos resultados. É essencial que o processo de apuração seja o mais transparente possível, para garantirmos a paz social, que é vital para a construção de Moçambique", completou.
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) anunciou, em 24 de outubro, a vitória de Daniel Chapo, apoiado pela FRELIMO, partido governante desde 1975, na eleição presidencial de 09 de outubro, com 70,67% dos votos.
Venâncio Mondlane, candidato do Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos, extraparlamentar), ficou em segundo lugar, com 20,32%, mas declarou não aceitar os resultados, que ainda precisam ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
Ele definiu essa como a terceira fase de contestação dos resultados eleitorais, sucedendo aos protestos de 21, 24 e 25 de outubro, que resultaram em confrontos com a polícia, provocando pelo menos 10 mortes, dezenas de feridos e 500 detenções, segundo o CIP.
Venâncio Mondlane apelou a uma greve geral e manifestações por uma semana em Moçambique, a partir de 31 de outubro, e marchas em Maputo em 07 de novembro.